"Os deuses, cruéis quando não são ausentes, nisto foram bondosos para os homens. Deram aos que têm génio o conhecimento de o terem, mas privaram os medíocres da consciência da sua mediocridade. Por isso os ouvimos dizer tudo o que os mostra nulos e vazios, como se estivessem a dar a solução para o problema e o remédio para o mal. Afinal, no ser isto assim, talvez esteja prova mais cruel da crueldade dos deuses: recusam a estes cegos a escuridão que lhes revelaria a cegueira, trocando-a por uma luz falsa que lhes falseia os próprios olhos.
Penso nisto muitas vezes.
Penso nisto muitas vezes.
Penso nisto agora, quando olho o desconcerto do mundo e o concerto que lhe querem dar os que o desconcertaram.
(…)
O mais perturbador nesta crise feita de muitas crises é a estupidez do discurso sobre ela.
Essa estupidez manifesta-se de várias formas.
Há a estupidez que fala e a estupidez que faz;
a estupidez doutoral e a estupidez analfabeta.
Há a estupidez imoral e a estupidez moralista;
A estupidez irresponsável e a estupidez grave.
Há a estupidez culpada e a estupidez inocente;
A estupidez delirante e a estupidez sensata.
Há a estupidez enciclopédica e a estupidez especializada;
A estupidez juvenil e a estupidez senil.
Há a estupidez individual e a estupidez colectiva;
A estupidez tola e a estupidez espertalhona.
Todos estes tipos de estupidez têm em comum cinco princípios:
Segundo: o que eu digo é um íman que repele qualquer partícula de pensamento.
Terceiro: o que eu digo é tão estúpido que torna inverosímil que o seja tanto,
Quarto: o que eu digo é tão banal que toda a gente pode estar de acordo.
Quinto: o que eu digo salva.
Esta estupidez heteronímica não compreende que a doença não se cura com aquilo que a causou.
(…)
Não há uma ideia a que se possa dar esse nome.
Não há uma análise a que de junte uma descoberta.
Tudo é repetição e resto.
Tudo de escuta, nada se retém, senão o tédio de ter escutado aquilo que não adianta nem atrasa.
(…)”
José Manuel dos Santos, Actual de 8 de Maio de 2010
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