Regressámos de onde as férias nos disseram que a felicidade é uma oportunidade que a vida dá a si mesma e encontrámos o nosso eterno retorno privativo.
Antes de partirmos para esse além do nosso aquém quotidiano e servil, tudo nos parecia fatigado como um material que serviu muito: acordar, vestir, andar, agir, desejar, trabalhar, adormecer.
Todos os nossos gestos, actos, erros, acertos nos tornavam mais pesados que o nosso próprio corpo.
Estávamos cansados do nosso cansaço e do seu hálito morno e lento.
Se conseguíamos moer os pés, era porque tínhamos à nossa frente uma promessa de fuga, de interrupção, de liberdade. Era isso que nos atraía, como um vórtice que começa a desmentir-se.
Passar do negócio ao ócio, do fazer ao lazer, da velocidade ao vagar,
é como deixar de ouvir a voz do tambor para ouvir a voz da flauta.
Ali estivemos a tentar escutá-la, sob o sol ou sobre a água.
Ali ficámos a ouvi-la, à sombra da árvore ou em frente da montanha.
Ali a procurámos, na penumbra da preguiça ou no vórtice da volúpia.
Ali escutámos o que, fora desse tempo, não escutamos, mesmo quando ouvimos.
Ali vimos o que, fora desse lugar, não vemos, mesmo quando olhamos.
Ali concedemos ao corpo ocasião de se vingar do nosso moralismo ou da nossa desordem.
Ali demos tempo ao tempo, terminando como o rico arruinado, que pensou possuir mais do que afinal possuía.
Nos primeiros dias de férias substituímos o relógio de quartzo pelo relógio de corda e, nos últimos, pela ampulheta ou pela clepsidra.
Mas com a consciência de que esse clarão anunciava o relâmpago.
Nos dias do fim das férias, começou a aparecer o regresso à rotina como a ameaça de um céu que escurece.
Para nos distrairmos dela, jurámos a nós próprios que vamos reinventar o que repetíamos, reerguer o que arrastávamos, ressuscitar o que matávamos, acelerar o que travávamos, fazer o que adiávamos.
É por isso que cada regresso coincide em nós com um recomeço.
T. S. Eliot afirma:
"...Se não fosse o ponto, o ponto morto,
não haveria dança, e há só a dança.
Eu apenas posso dizer, estivemos ali: mas não posso dizer onde.
E não posso dizer por quanto tempo, pois seria situar isso no tempo.
(...) Apenas pelo tempo o tempo é conquistado."
E acrescenta:
"O que chamamos o princípio é muitas vezes o fim.
E terminar é começar.
É do fim que nós partimos."
Mesmo quando, no fim das férias, precisamos de férias das férias e voltamos com livros que levámos para ler e nem abrimos, essas pequenas derrotas foram a vitória da nossa liberdade, da nossa vontade, do nosso alheamento, do nosso sono.
Neste regresso, em que queremos acreditar que tudo vai mudar, já sabemos, também que, pouco a pouco, quase sem darmos por isso, tudo de vai tornando igual ao que era e voltará a acontecer o que queríamos evitar.
Não importa: a vida é feita de falsas partidas e de chegadas fictícias.
É feita de ilusões desfeitas, de intenções quebradas, de planos mortos.
De tédios interrompidos, transformados, recuperados.
Saber isso é saber que a perfeição só nas férias nos é dada, porque apenas nas férias ela não nos é pedida."
José Manuel dos Santos, Expresso, 15 de Setembro de 2007
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